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Após ser acusada dentro e fora dos EUA de "mudar as regras no meio do jogo", a Casa Branca fez ofensiva ontem para deixar claro que a carta enviada ao governo brasileiro sobre o Irã não era "receita" para um acordo que evitaria sanções a Teerã por seu programa nuclear.

As afirmações chegam um dia após a secretária de Estado dos EUA, Hillary Clinton, dizer que o país tem "discordâncias muito sérias" com o Brasil em relação à abordagem da questão iraniana.

Altos funcionários do governo americano afirmaram, em condição de anonimato, ter alertado o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o chanceler Celso Amorim.

"[Eles foram] totalmente informados antes de ir a Teerã [na semana passada] que um acordo [nos termos citados] não interromperia negociações por sanções."

O acordo

Em 17 de maio, o governo brasileiro firmou, ao lado da Turquia, um acordo com o Irã para a troca de 1.200 kg de urânio pouco enriquecido iraniano por 120 kg de urânio enriquecido no exterior.

No dia seguinte, os EUA anunciaram apoio das demais potências com poder de veto no Conselho de Segurança da ONU (China, Rússia, Reino Unido e França) para nova rodada de sanções a Teerã -exatamente o que o acordo pretendia evitar.

O Brasil teve reação de perplexidade. Citou carta enviada por Barack Obama a Lula datada de 20 de abril, cuja íntegra a Folha obteve e divulgou na edição de anteontem.

O pacto firmado correspondia ao explicitado pelo presidente dos EUA -todos os pontos mencionados no foram abordados no pacto.

A Casa Branca se viu na incômoda posição de ter de dar explicações sobre por que teria feito pedidos ao Brasil em relação a um acordo considerado depois insuficiente.

"Não pedimos a Brasil e Turquia que negociassem em nosso nome", disseram os funcionários ontem.

"Estávamos reagindo [na carta] a ideias que eles nos apresentaram. Não sentimos que tínhamos de ser abrangentes sobre o que um acordo aceitável teria de conter."

Preocupações

Segundo o governo americano, em conversas anteriores, Hillary, o embaixador dos EUA no Brasil, Thomas Shannon, e outros altos oficiais deixaram claro ao Brasil todas as preocupações dos EUA em relação ao Irã.

Dentre essas, duas se destacam: a continuidade do enriquecimento de urânio a 20% (um passo prévio à fabricação de uma bomba, que precisa de enriquecimento superior a 90%) e a quantidade do material pouco enriquecido que seria trocado.

"A Chancelaria brasileira sabia perfeitamente da importância da questão."

Já os 1.200 kg são a quantia sugerida em acordo de outubro oferecido pela Agência Internacional de Energia Atômica ao Irã. O que, segundo os EUA, agora é pouco.
"Desde o fim de 2009, o país dobrou a quantidade que possui", afirmaram os funcionários americanos.

"Era importante enviar 80% de todo o material para a troca -levaria um ano para acumular isso de novo, o que daria tempo para a diplomacia. Agora, se enviarem 1.200 kg, ainda terão o suficiente para uma bomba no país."

Os funcionários não disseram por que, então, Obama menciona especificamente a quantia 1.200 kg de urânio para troca na carta de abril.

"Se tivessem nos pedido uma reação sobre um rascunho de acordo, poderíamos ter reagido. Mas não fizeram isso. Foram ao Irã e saíram de lá com um acordo pronto."